quinta-feira, 31 de março de 2011

Carta a Fernando Pessoa

Caro Fernando, sou o teu amigo Alberto. Espero não estar a interromper de maneira nenhuma a tua escrita, mas queria contar-te como vão as coisas aqui pelo campo. As árvores continuam árvores, o rio continua o rio, a brisa continua a brisa… Não há nada que mais me alegre que me deitar na relva, sentir a frescura dela na base do pescoço, ouvir os pássaros a cantar, olhar as nuvens na sua constante movimentação e transformação… Agora que me lembro Fernando, li a tua última obra, e como já sabes, acho que racionalizas demasiado as coisas. Sinto na tua escrita que não és inteiramente feliz, talvez nem feliz de todo. Já te expliquei o porquê de não seres verdadeiramente feliz, meu bom amigo, porque escolhes não me ouvir? Apenas o que a Natureza tem para oferecer nos pode fazer felizes. É tão simples! Basta olhares para um prado verdejante, e sentires o que nele se passa, sentir a relva, sentir a brisa, sentir o sol. Ah! Fernando… Basta sentir! Não há necessidade de entender o que se sente! Vê tudo o que a Natureza tem para mostrar, apenas isso. Vê como um danado! Só não vê, quem está doente dos olhos, e esses, precisam de pensar e assim nunca alcançam a verdadeira felicidade, que é nada mais que o que nos é apresentado pela Natureza… Ela é perfeita na sua constante renovação… Oh… Fernando, se soubesses o tempo que fico a olhar para as flores e para os montes, para o sol e para o luar, desejando deixar de ser eu, para ser todas essas coisas, perdido no tempo que nem passa nem deixa de passar. Para mim estar em contacto com a natureza é estar em contacto com Deus, porque Deus é as árvores e flores, e prado e rio… Sabes que não tenho filosofias, só sentidos, mas para ti que ainda não entendes a metafísica que existe em não pensar em nada, vou tentar dar-te um conselho que entendas com a tua estranha maneira de viver. Vive a Natureza. Vê-a e ouve-a… Sente-a. Com amizade, Alberto Caeiro...... by johnthepires

Testamento

À prostituta mais nova Do bairro mais velho e escuro, Deixo os meus brincos, lavrados Em cristal, límpido e puro... E àquela virgem esquecida Rapariga sem ternura, Sonhando algures uma lenda, Deixo o meu vestido branco, O meu vestido de noiva, Todo tecido de renda... Este meu rosário antigo Ofereço-o àquele amigo Que não acredita em Deus... E os livros, rosários meus Das contas de outro sofrer, São para os homens humildes, Que nunca souberam ler. Quanto aos meus poemas loucos, Esses, que são de dor Sincera e desordenada... Esses, que são de esperança, Desesperada mas firme, Deixo-os a ti, meu amor... Para que, na paz da hora, Em que a minha alma venha Beijar de longe os teus olhos, Vás por essa noite fora... Com passos feitos de lua, Oferecê-los às crianças Que encontrares em cada rua... Alda Ferreira Pires Barreto de Lara Albuquerque