sábado, 23 de maio de 2009

Não desisto de procurar a bondade dos homens. Sei que ela existe. Que está presente, inspirada na bondade de Deus.

Muitas vezes lembra-me aquele doce travado do gostinho da amora silvestre. É daqueles frutos que francamente gosto, mesmo sabendo o quanto custa obtê-lo.

Às vezes, quando olho a minha mão arranhada enquanto como, deliciada, sentada num tronco meio caído, as amoras silvestres que apanhei durante a tarde, mais que as cores garridas do poente, eu gozo o gostinho doce que obtive, em troca de um pouco do garrido do meu sangue.

Não desisto de procurar aquela bondade que Deus vai deixando espalhada pelo mundo dos humanos.

Se vivo temendo a maldade de alguns, nunca gozarei da bondade de tantos.

Sei que continuo aberta à dor, mas só assim vou descobrindo diariamente o amor.

Obrigada, Senhor, porque me deste um coração aberto e o fizeste bater no fundo para se abrir mais e gritar: gritar amor.

Hoje, com muito amor, olho para a minha mão arranhada, e ofereço aos meus amigos um frasco de compota de amora silvestre.

Teresa Belo

12 Maio 2008

sexta-feira, 22 de maio de 2009

O MEU PAÍS

Dentro da minha cabeça
Tenho uma caixa de lápis de cor
Com que pinto os sonhos.
Neste
Pego no lápis castanho escuro
E pinto duas muanhas altivas
Que passavam perto de mim.
Dou-lhes mais um pequeno toque
Para que se veja o andar
Que só as gentes do sul têm
E que nós tão bem conhecemos
E para podermos ouvir
Os chocalhos amarrados na canela.
Peguei nos verdes, ah os verdes
E tive que usar todos os tons
Para pintar as matas densas
Passei levemente por cima
O lápis cinzento
Como esquecer-me dos cacimbos
Que tantas vezes me arrepiaram a pele?
Lá ao longe dois morros de basalto
Cortam o horizonte da savana
Pinto-os com o lápis preto.
Com o lápis amarelo dourado
Pinto a imensa anhara
Onde tantas vezes me perdi
E me encontrei.
No meu sonho tinha chovido
Uma chuva bravia, poderosa
Desenhando alinhavos no pano da tarde
E cheirava intensamente
Aquele cheiro da terra depois da chuva
Não o pintei, não consegui
Afinal
De que cor se pinta o cio da terra?
Com o lápis vermelho
Pintei o sol enorme de fim de tarde
E vi no mar
Aquele imenso rasto de sangue
Por fim, com o lápis azul
Sempre o lápis azul
Coloquei no canto direito
A minha assinatura
Esperando, ansiando
Que gostem deste sonho.
Não o vendo, apenas o ofereço
Afinal,
Que preço pode ter o meu país?


É suposto que neste blog de um grande amigo, haja angolanos. Para os que não são, deixo-vos um retrato do meu país.
Um abraço
Henrique

Novidades de África :-)

Gostaria de partilhar com todos os que visitam este cantinho as noticias de África. Recebi estes 3 recortes e não resisti em divulgar.
Beijinhos.
Anabela






domingo, 17 de maio de 2009

«...» Quando tudo
Parece tremer
À minha volta.
Mas porque me agarro
À fé,
Sinto
Solidificar-se
Este chão que piso
E mantenho-me em pé.»

Teresa Belo


Querida Teresa. Obrigado por nos presenteares com as tuas palavras, repartires a tua força, e ensinamentos para simplesmente vivermos a vida. Num ou noutro momento, todos nós necessitamos de saber, onde nos podemos agarrar. Só isso nos traz-nos a tranquilidade. A tranquilidade, que nos permite dar valor aos pequenos momentos, e encontrar forças para ultrapassar as os momentos menos bons. Continua a ser o que és, a tua sensibilidade e alegria contagiam, catalizando-nos para mais uma viagem, que como bem dizes, pode tocar todos os portos do mundo e embarcar mais e mais amigos, até um qualquer destino do imaginário de cada um de nós.

Um beijinho muito grande para ti.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Ao ler este poema, sinto uma enorme saudade da árvore grande, da sua sombra e do seu porte magestoso que respeitávamos como aos nossos mais velhos. Aquela arvore que servia para tudo, brincar, descansar, apanhar a bebedeira do cigarro, o tal visgo, e de quando em vez uma pobre cigarra ou um catitui. Lembram-se das lerpas a cigarros? loucura. Se soubessemos o que sabemos hoje seguramente teriamos escolhido outra moeda. Esta custou caro a largar.
De facto eram locais quase sagrados, onde brotavam os ensinamentos dos mais velhos, e onde sentiamos a segurança dum bunker quase impenetrável. Viva a mulembeira, o imbondeiro e a mangueira, quanta imponência, espero que todos as respeitem como nós. Ainda um dia as quero voltar a abraçar.

A mulemba secou

A mulemba secou.
No barro da rua,
Pisadas, por toda a gente,
Ficaram as folhas
Secas, amareladas
A estalar sob os pés de quem passava.

Depois o vento as levou...
Como as folhas da mulemba
Foram-se os sonhos gaiatos
Dos miúdos do meu bairro.

De dia,
Espalhavam visgo nos ramos
E apanhavam catituis,
Viúvas, siripipis
Que o Chiquito da Mulemba
Ia vender no Palácio
Numa gaiola de bimba.

De noite,
Faziam roda, sentados,
A ouvir, de olhos esbugalhados
A velha Jaja a contar
Histórias de arrepiar
Do feitiçeiro Catimba.

Mas a mulemba secou
E com ela,
Secou tambem a alegria
Da miúdagem do bairro;
O Macuto da Ximinha
Que cantava todo o diaJá não canta.

O Zé Camilo, coitado,
Passa o dia deitado
A pensar em muitas coisas.

E o velhote Camalundo,
Quando passa por ali,
Já ninguém o arrelia,
Já mais ninguém lhe assobia,
Já faz a vida em sossego.

Como o meu bairro mudou,
Como o meu bairro está triste
Porque a mulemba secou...
Só o velho Camalundo
Sorri ao passar por lá!...

De: Aires Almeida Santos

domingo, 10 de maio de 2009

A minha Cachupa.

Como grande fã que sou de uma bela Cachupa, decidi que a melhor forma de poder saborear com maior frequência, este fabuloso prato típico de Cabo Verde seria ser eu a confeccioná-la.

Arranjei a receita, comprei os ingredientes, tirei uma dicas daqui e dali e no fim-de-semana fiz da cozinha o meu quartel general. Comandei as panelas e os tachos, dei ordens ás minhas mãos para que cozinhassem uma gostosa e apurada Cachupa.

Depois convidei algumas pessoas, que posso até chamar de cobaias ( eheheheeheh), para provarem o pitéu. A opinião foi unânime: Está muito boa!

Et voilá...aqui está ela.


segunda-feira, 4 de maio de 2009

E agora o Pai, Viriato da Cruz. A minha Homenagem . Conheci-o através das palavras do filho, seguramente o seu maior admirador. Um homem de grande caracter e intelegencia, que dedicou a sua vida a causas de grande nobreza. Não podia deixar de o fazer, através de um dos seus mais bonitos poemas. Quem não não se apaixona ao ouvir Rui Mingas a cantá-lo. Felizmente, temos poetas de uma enorme dimensão, que nos levam por aí fora, até onde a imaginação nos abrir fronteiras, dando-nos a oportunidade de estar aqui e acolá mesmo que apenas nas suas palavras.



Viriato da Cruz (1928-1973)

Namoro

Mandei-lhe uma carta em papel perfumado
e com letra bonita eu disse ela tinha
um sorrir luminoso tão quente e gaiato
como o sol de Novembro brincando de artista nas
[acácias floridas
espalhando diamante na fímbria do mar
e dando calor ao sumo das mangas
Sua pele macia – era sumaúma...
Sua pele macia, da cor do jambo, cheirando a rosas
sua pele macia guardava as doçuras do corpo rijo
tão rijo e tão doce – como o maboque...
Seus seios, laranjas – laranjas de Loge
seus dentes... – marfim...
Mandei-lhe essa carta
e ela disse que não.
Mandei-lhe um cartão
que o amigo Maninho tipografou:
“Por ti sofre o meu coração”
Num canto – SIM, noutro canto – NÃO
E ela o canto do NÃO dobrou.
Mandei-lhe um recado pela Zefa do Sete
pedindo rogando de joelhos no chão
pela senhora do Cabo, pela Santa Ifigénia,
me desse a ventura do seu namoro...
E ela disse que não.
Levei à avó Chica, quimbanda de fama
a areia da marca que o seu pé deixou
para que fizesse um feitiço forte e seguro
que nela nascesse um amor como o meu...
E o feitiço falhou.
Esperei-a de tarde, à porta da fábrica,
ofertei-lhe um colar e um anel e um broche,
paguei-lhe doces na calçada da Missão,
ficámos num banco do largo da Estátua,
Afaguei-lhe as mãos...
Falei-lhe de amor... e ela disse que não.
Andei barbado, sujo e descalço
como um mona-ngamba.
Procuraram por mim
”– Não viu... (ai, não viu...?) não viu Benjamim?”
E perdido me deram no morro da Samba.
Para me distrair
levaram-me ao baile de sô Januário
mas ela lá estava num canto a rir
contando o meu caso às moças mais lindas do Bairro Operário
Tocaram uma rumba – dancei com ela
e num passo maluco voámos na sala
qual uma estrela riscando o céu!
E a malta gritou: “Aí, Benjamim!”
Olhei-a nos olhos – sorriu para mim
pedi-lhe um beijo – e ela disse que sim.